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terça-feira, 26 de março de 2013

Tudo


  Foto: Daniel Carvalho Gonçalves


Qual grilhão pode conter um coração enamorado?
Pode, acaso, qualquer penumbra desperta-lhe medo?
Nem mesmo o céu, não, o faz olvidar o ser amado,
Nem podem os seus olhos, desse amor, fazer segredo.

Eis que o amor é, enfim, tempestade em fúria,
Indomável, inquestionável, absoluto senhor
Das rimas e vidas, dos sonhos, até de nossas juras.
Como um vendaval incontido - assim é o amor.

Para quem ama é fútil, simples, toda analogia,
Pois, o ser amado está mui além da poesia,
Está, quase divino, encantando o sentimento.

Ah! Pode um coração apaixonado compreender
A razão, quando esta parece, tão álgida, se perder?
Assim é o amor - a sede, a fome, o alento.


Daniel Carvalho Gonçalves
Escrito em 30 de julho de 1996
Abraço!

segunda-feira, 25 de março de 2013

Mortal imortalidade


  Foto: Daniel Carvalho Gonçalves


Fôssemos eternos para compreendermos as coisas simples
Que à luz de toda complexidade nos parecem tão mortais,
Tão indignas de atenção: as flores no campo, seu perfume
Que extasia ao poeta, as ondas que se quebram no cais.

Fôssemos imortais talvez aperfeiçoássemos o amor
Que inexplicamos em nossa pobre, carente, brevidade.
Quem sabe seríamos aptos para aceitar as pessoas
Como são e não como sonhamos. Oh! , intocável verdade!

Fôssemos eternos para compensarmos nossos erros tolos,
Pois, quem não erra? , encararmos os obstáculos e transpô-los
Como vencedores de nossos próprios, reles, desvalores.

Fôssemos imunes à morte, sem sofrermos essas lágrimas
Que tanto nos magoam, pudéssemos fugir dessa pálida
Expectativa inevitável. Deus, por que somos tão breves?


Daniel Carvalho Gonçalves
Escrito em 27 de setembro de 1995
Abraço!

domingo, 24 de março de 2013

Reverência


  Foto: Daniel Carvalho Gonçalves


Quisera o aconchego de um ninho
Em cada palavra de meus poemas,
Ou, quem sabe, a delícia de um vinho
Para rimar toda a tua magia de fêmea.

Quisera em meus olhos, da noite, a malícia;
Talvez, também, a inocência da primavera.
Quisera reportar-te toda a felícia
De minh'alma infante ao fazer-te quimera.

Tens o dom de roubar minhas palavras,
Silenciando minha poética, tua escrava,
Fazendo renascer em mim um menino.

Mas és, também, desejo, sede e fome,
Fazendo-me indígete, ousado, homem,
Paradoxo de te amar com tanto carinho.


Daniel Carvalho Gonçalves
Escrito em 31 de janeiro de 2000
Abraço!

segunda-feira, 18 de março de 2013

Permafrost *


  Foto: Daniel Carvalho Gonçalves


Acaso o frescor da noite morena
Te parece uma coisa tão pequena,
Que ao teu sonho não inspira segredo?

Bebes o por-do-sol de cada dia,
Ou sua luz já não desperta poesia,
Como se fora um "script" sem enredo?

Porventura, um sorriso te acalenta,
Ou é apenas migalha que não alimenta,
Pão seco ao solo, abandonado?

Ergues, enfim, preces ao conhecimento,
Sem ouvir, em silêncio, o alento
Duma criança ao teu lado?

Te julgas tão dono da sabedoria,
Que já não sentes nenhuma alegria
Em demonstrar que amas?

Ser insensível assim é esperar que a morte
Seja decidida ao acaso, pela sorte
De um misterioso jogo de cartas.

Ser cego assim é doar-se ao abandono,
É ter a brevidade duma folha de outono,
É  deixar morrer o ser humano,
Ou que a solidão te roube o sono.

A rotina nos cega e ensurdece.
As coisas simples acontecem
E nem sempre o coração percebe
Como um simples sol derrete a neve.


* Solo fértil, na Groenlândia, que permanece congelado, debaixo da neve e do gelo.


Daniel Carvalho Gonçalves
Escrito em 23 de fevereiro de 2000
Abraço!



segunda-feira, 11 de março de 2013

Anseio


  Foto: Daniel Carvalho Gonçalves


Queria escrever um poema que caísse, gentil,
Como a chuva no seio da terra, quase divino,
E fizesse germinar na alma e coração humanos
A inocência contida nos sonhos dum menino.

Queria que esse poema brilhasse como um sol,
Sem nenhum preconceito, para ricos e para pobres.
Queria que ele aquecesse essa rocha fria
Em que fomos moldados, e que nos fizesse mais nobres.

Ah!, queria que ele tivesse a cumplicidade
Duma lágrima morna nos olhos do meu semelhante,
Que fizesse os homens compreenderem que não estão
Sozinhos no difícil trilho do bem. Ei-lo distante!

Queria que ele, como um rio, corresse caudaloso
E matasse a sede de paz que nos rouba a chance
De viver sem medo do amanhã. Queria que ele
Colocasse um mundo sem sangue ao nosso alcance.

Queria escrever um poema que pensasse como
Adulto e sentisse, puro, como uma criança.
Queria que ele fosse, em meio à tempestade,
Ora!, a certeza de que logo virá a bonança.

Ah, como eu queria, numa poesia apenas
Despertar, no coração do mundo inteiro, o amor!
Patético! As minhas consecuções são tão pequenas!
Porém, ah, se eu não fosse tão somente um sonhador!


Daniel Carvalho Gonçalves
Escrito em 17 de dezembro de 1995
Abraço!

sábado, 9 de março de 2013

Metamorfoseando


                             Foto: Daniel Carvalho Gonçalves


De armas nas mãos, caminhei -
Caçador em busca de indefesa presa.
Fui dono de mim, em desdém desafiei,
Do destino, algo que me fosse surpresa.

Criei a ilusão de felicidade
Para ocultar o pranto que me doía -
O predador foi uma falsa verdade,
Bisonha vítima de sua própria armadilha,

Pois, me domaste, fêmea e divina,
Trazendo à tona o menino, meus medos,
Me fez canção que desatina, desafina,
À fragilidade de sonhar sem segredos.

Bebi teus carinhos, doce taça de vinho.
Me embriaguei com tanto sentimento,
E me rendi, pequenino -
A serpente perdeu o veneno.


Daniel Carvalho Gonçalves
Escrito em 27 de fevereiro de 2000
Abraço!

terça-feira, 5 de março de 2013

Não me esqueças


  Foto: Daniel Carvalho Gonçalves


Não me esqueças num qualquer canto
Da casa, talvez coberto de poeira,
Como um livro que perdeu o encanto,
Ou um simples artesanato de feira.

Não, não me esqueças numa curva do caminho,
Como se eu fosse um empecilho em sua jornada,
Como uma garrafa que não tem mais vinho,
Ou como uma flor apanhada à beira da estrada.

Não me esqueças nos acordes duma canção,
Não me deixes no lado externo do teu coração,
Não deixes que o tempo me leve de ti,

Pois, nunca, jamais, te esquecerei.
De ti, sempre e sempre me lembrarei,
Pois, tu és a mulher que sonhei para mim.


Daniel Carvalho Gonçalves
Escrito em 24 de agosto de 1998
Abraço!